Uma das propostas da disciplina Seminário de Dissertação I, da linha Educação e Comunicação, que estou ministrando no PPGE/UFSC, é conhecer as diferentes abordagens teórico-metodológicas da pesquisa trabalhadas na linha. No último encontro, o Prof. Nestor Habkost participou da aula contando um pouco de sua trajetória de pesquisa,. Discutindo a “questão do método” a partir das Desregulagens, de Laymert Garcia, falou dos enquadramentos possíveis da pesquisa naquilo que silencia mais do que tem a dizer. Compartilho algumas reflexões que fizemos.
Se todo objeto de pesquisa é por natureza complexo, a questão de como trabalhar a complexidade parece estar mais relacionada ao problema do que ao método, afinal, sem problema não há pensamento, e é construindo bem o problema que o método aparece. Ao problematizar o próprio ato de pesquisar, o método deixa de ser um a priori e passa ser quase um a posteriori, em que no “vai e vem” com o objeto o pesquisador vai explorando um território a ser descoberto sem eliminar as perspectivas do trajeto, apenas sem definir previamente. No texto “Os intelectuais e o poder”, Foucault enfatiza que a teoria nasce da relação com o objeto, rompendo com o método clássico da Filosofia e de certa forma invertendo o problema ontológico, que não seria mais o quê e por quê, e sim como. Esse novo jeito de fazer filosofia pode dar outro tipo de consistência ao pensamento em relação ao problema de pesquisa, onde a consistência ao pensado se constrói nos conceitos, por natureza múltiplos, e em suas articulações do começo ao fim da pesquisa, que permitem trabalhar os problemas.
Construir bem um problema e uma trama conceitual sobre ele, trama tecida no exercício do pensar, explicitar, e escrever não exclui o sentir. Mas aí, a questão que se coloca é como lidar com as sensações quando está se pensando. Ou seja, explicitar as percepções pelo pensamento não elimina as sensações que sempre estarão presentes nos deslocamentos do pensar. E esse sentir muitas vezes pode servir de estímulo ao pensamento, ainda mais se considerarmos a conhecida idéia de que o prazer e o desejo movem o conhecimento, tal como Eros, deus do amor se move amorosamente em busca do conhecimento, por amor ao querer conhecer.
E pensando nisso, parece que mais do que estimular, a pesquisa está intimidando o pensar, sobretudo quando regida por um tempo das instituições que nem sempre coincide com o tempo de aprendizagem dos sujeitos. E então Nestor provoca: o que está existindo não é amor, é o terror em relação ao pensamento. E pergunta: que anti-pedagogia é essa?
Numa referencia a Deleuze, dizendo que certos textos podem ser lidos como quem escuta uma música, Nestor pergunta que leituras são essas que fazemos sem escutar o texto e sem deixar tocar pela palavra do outro, como algo que nos faz vibrar e dar sentido à leitura? Se toda palavra tem canto e plumagem, como dizia Guimaraes Rosa, tem algo para ser visto e ouvido, e então há que se perguntar sobre o que fazemos com aquilo que nos toca?
Recuperando a idéia de rizoma e os conceitos de nomadismo, deslocamentos e quebras de hierarquia sobre um território em busca de novos encontros que determinarão o movimetno do pensamento, Nestor enfatiza que o pensador [e também o pesquisador] se desloca em função daquilo que potencializa a capacidade do pensar. Assim, o pensar depende de encontros, e não apenas daquilo que já existia, como diz a filosofia clássica. Em função do encontro, sou forçado a pensar e me movo em direção das coisas que propiciam esse pensar.
E aqui, as idéias de Spinoza, plenas de força e beleza, trazem o Conatus, o desejo como vontade de perseverar na existência, manter-se vivo, num processo imanente na própria vida, que não está no fim, mas na finalidade. Nessa perspectiva, determinados encontros podem ampliar e favorecer, ou mesmo diminuir, essa potencia da ação intelectual e como critério para perceber em que medida ela aumenta ou diminui, Spinoza situa os dois signos: alegria e tristeza, que seriam parte da teoria dos afetos primários. A alegria seria entendida como passagem de uma perfeição menor a uma perfeição maior, sensação de plenitude; e a tristeza seria o contrário, o estado que diminui o poder de atuar.
E diante desse preâmbulo, Nestor contou um pouco sobre os encontros e deslocamentos de suas pesquisas sobre imagem e palavra nos diversos meios de expressão analisando o “artista como criador de si mesmo” (Nietzche) e uma “estética da existência”. Na primeira pesquisa ele compôs a sua poetografia como teoria, revelando os traços essenciais da obra do artista brasileiro Ismael Nery que permite dizer a inscrição poética. Analisando a forma como o sujeito se auto-inventou, ou como o sujeito se transforma no que é pela sua obra, ele foi constriundo os passos para compreender essa teoria num percurso que foi à obra que explicitava a vida do artista, saiu da obra e foi para o contexto, e então à teoria, para sustentar o movimento de sua percepção. Nesse movimento do “corpo a corpo” na pesquisa, Nestor foi traçando um método que ele chamou de poetografia, fruto da necessidade de criar um conceito para dizer o que queria e precisava dizer, ou seja, ele criou um conceito para explicitar e dar sustentação ao seu problema. Na segunda pesquisa analisou a obra do artista argentino Xul Solar, para compreender a linguagem que ele construiu na sua obra de arte, sempre explicitando como o método foi surgindo no percurso de sua pesquisa.
Enfim, como a pesquisa envolve encontros e um contínuo movimento de construção de um problema e criação de uma prática cientifica e estética, em que os diferentes deslocamentos certamente determinarão o movimento do pensamento, estou certa que a participação do Nestor em nossa disciplina não apenas propiciou um lindo encontro mas sobretudo permitiu aumentar a potência de ação do nosso pensamento, trazendo também muita arte, poesia e alegria.
Imagem: Drago, de Xul Solar. Fonte http://www.agecom.ufsc.br/index.php?secao=arq&id=9815