domingo, 27 de março de 2011

Olhar de passagem: mídia, educação e comunicação na escola: uma experiência possível


O convite para participar de algumas atividades promovidas pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará, UFC, em parceira com Associação ENCINE e o projeto LACE permitiu conhecer diversos projetos e experiências de mídia-educação na universidade e nas escolas de Fortaleza.

No diálogo com o Grupo de Pesquisa GRIM, que estuda as relações entre infância, adolescência e mídia, coordenado pela Professora Inês Vitorino, foi possível ver muitas similaridades teórico-metodológicas no estudo e desenvolvimento de pesquisa sobre criança, mídia e educação que têm mobilizado nossos grupos. Além disso, o GRIM também se articula com o Programa de Extensão TVez que diz respeito à Educação para o Uso Crítico da Mídia e envolve o LAPSUS, Laboratório de Psicologia em Subjetividade e Sociedade, com participantes dos cursos de Comunicação Social - Jornalismo e Publicidade e Propaganda - e Psicologiada UFC.

O trabalho pioneiro do GRIM e TVez revela diversas facetas, entre elas uma bela parceria desenvolvida com a ong ENCINE, cujo objetivo é “provocar um novo olhar e uma nova forma de pensar os processos educativos e culturais com crianças, adolescentes, jovens e professores da rede pública de ensino através das tecnologias de informação e comunicação”.

Ao participar do I Seminário Mídia e Educação: outra leitura de mundo é possível, promovido pelo ENCINE e GRIM na UFC, foi possível conhecer diversas produções de mídias feitas por crianças e jovens no contexto do projeto LACE, desenvolvido pelo ENCINE. O LACE, Laboratório de Comunicação Escolar, é um espaço criado na escola com o propósito de atuar como um estúdio de produção de mídias. Com um visual moderno e alegre, os laboratórios funcionam em escolas selecionadas e estão equipados com tratamento acústico, fundo em croma-key, mobiliário e  equipamentos adequados (TV, computador multimídia para edição de áudio e vídeo com software livre, câmera de vídeo digital, câmera fotográfica digital, mesas de luz, scanner, impressora, equipamento de áudio e luz e uma pequena biblioteca sobre comunicação e educação). Ali, são desenvolvidas atividades com estudantes no contra-turno a fim de que eles possam produzir de forma autônoma vídeos, blogs, programas de rádio, desenhos animados, jornais impressos, fanzines, além de criar exposições fotográficas, exibição e veiculação de vídeos e áudio em tempo real via internet (streaming), etc.

Ver e ouvir crianças e jovens apresentarem suas experiências com tais produções, tais como “O que você prefere? Fazer? Ver? Desenhar? Livro? Filme? Simplesmente te amo” e muitos outras produções, bem como suas explicações sobre seus percursos de aprendizagem na construção de mídias e no envolvimento com o projeto e o Programa Megafone, nos faz não apenas acreditar que e possível criar outras condições para que os jovens participem de forma ativa da cultura como também evidencia cada vez mais a importância de que projetos como esse certamente farão a diferença na vida desses meninos e meninas. Ver e ouvir uma professora dizer que ”o Lace na escola é como se o século XXI tivesse chegado às nossas escolas” é a certeza de que trabalhos dessa natureza contribuem para recolocar a escola no centro da cena da educação de crianças e jovens e a assegurar a comunicação como direito de expressão e participação na cultura. 


Além de conhecer, compartilhar e discutir a respeito do papel e dos desafios da mídia-educação diante da cultura digital, há que pensar nas políticas públicas a esse respeito. Foi a ênfase dada na participação da Audiência Pública Promovida pela Comissão de Educação da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, no Seminário Sobre os Mecanismos de Comunicação na Aprendizagem Escolar, Através da Articulação Entre Mídia e Educação. Um espaço importantíssimo para reafirmar a importância de políticas públicas eficientes que dizem respeito tanto às políticas de inserção das TIC nas escolas como às políticas de formação inicial e continuada de professores a fim de assegurar propostas educativas na perspectivas de práticas transformadoras na escola. Ou seja, a necessidade de ultrapassar a dimensão do acesso instrumental à tecnologia na escola para pensar a questão da qualidade da inclusão digital na perspectiva da criação, expressão e mediação cultural da Mídia-educação como educação para a cidadania. Para tal, é fundamental pensar ações conjuntas entre universidade, poder público e organizações da sociedade civil.

Enfim, a partir dos diferentes espaços que participei e das diversas experiências que conheci, fica a alegria de perceber que muito daquilo que temos estudado e proposto no campo da mídia-educação a respeito da interlocução necessária entre educação, comunicação e arte está sendo desenvolvido em diferentes projetos do norte ao sul do  país. Isso reafirma não apenas importância das trocas, interlocuções e parcerias como também oxigena e renova nossos propósitos, pois além de perceber que não estamos sós, nos leva a pensar a possibilidades de redes multiplicadoras.

Não poderia deixar de destacar a hospitalidade e acolhida generosa do grupo GRIM/TVez e dos integrantes ENCINE/LACE, que além da participação em tais atividades permitiu verdadeiras incursões antropológicas pela cidade do sol, com inesquecíveis banhos de chuva que se transformaram numa verdadeira aventura no Dragão do Mar... 


Por fim, como o artista e poeta Arlindo Araújo lembrou na mesa de abertura do I Seminário Mídia e Educação: outra leitura de mundo é possível ao mencionar a poesia de Cecília Meireles “eu quero captar o instante já que de tão fugitivo não é mais porque a tornou-se um novo instante”, vale dizer que nesse olhar de passagem que deixa rastros, captar a força e a beleza do instante pode significar também a possibilidade de construir e compartilhar  novos projetos.

terça-feira, 22 de março de 2011

Algumas considerações sobre as políticas de avaliação contemporânea

Se no semestre anterior, o curso de Pedagogia da UFSC iniciou suas atividades letivas com a aula  inaugural “É preciso brincar para afirmar a vida: música e cultura na infância” com Lydia Hortelio mais a conferência de Lisete Arelaro sobre “Políticas de formação para professores da Educação Básica nos governos FHC e Lula”. Este semestre iniciamos discutindo a questão da avaliação, com a conferência de Luis Carlos Freitas “Políticas de Avaliação contemporâneas: transformação ou modernização”.

Pode ser instigante começar o ano letivo discutindo a questão da avaliação, tanto de sistemas quanto de aprendizagens e de programas curriculares, ainda mais num momento em que se discute o processo de implantação do novo currículo no curso de Pedagogia da UFSC e que temos pela frente a realização do ENADE. Mas que outras questões estão relacionadas a tais processos de avaliação?

Ao destacar a avaliação como política pública na área da educação a partir da alteração na posição estratégica que o capital internacional imagina para o Brasil, Freitas chamou  a atenção na política de avaliação e seus desdobramentos e repercussões na universidade e na educação básica.  No entanto, para ele, essa política não está sendo gestada pelas universidades e sim pelas grandes corporações, fundações, ongs e instituições privadas.

Num cenário de um país escolhido para investimento direto do capital internacional, por isso emergente, a posição que o Brasil ocupa hoje se destaca com políticas que estão minimizando a miséria extrema e a questão infra-estrutura e tecnologia, permanecendo ainda em aberto a questão da educação, e consequentemente, a questão da mão-de-obra e da produtividade. Entender essas demandas é fundamental para entender como tais políticas chegam até nós, nas escolas, nos modelos de universidade e nas políticas de avaliação que vão ganhando centralidade.

Nessa perspectiva, discutir a qualidade da educação pública implica discutir desde a carreira do professor e o papel de centralização do estado na educação básica, até a questão da aprendizagem, do rendimento e do desempenho do aluno que nos últimos nos têm sido traduzidos nos exames. Assim, entendida como instrumento de gestão, cria-se uma indústria da avaliação que se torna cada vez mais sofisticada e modifica a relação professor-aluno e ensino-aprendizagem, condicionando o orçamento da escola e em alguns casos pagando bônus ao professor, sobretudo a partir do desempenho dos alunos em exames, como por exemplo prova Brasil, Enem, Enade no plano nacional e PISA no plano internacional.

Do ponto de vista político-econômico, o sistema público de ensino vai perdendo força por diversos fatores, diz Freitas. Sem dominar esse tipo de tecnologia de avaliação, busca nas assessorias especializadas da indústria da avaliação identificar os problemas de alunos que não aprendem e encontra na indústria de tutoria a resolução de problemas de aprendizagem sem tocar no fundo da questão que origina tal quadro. E assim, como tudo é medido por testes, muitas escolas “deixam de ensinar” valores e conhecimentos fundamentais para a formação do sujeito na perspectiva da educar para a cidadania pois estão mais preocupadas em “preparar os alunos para os testes”.

No entanto, estudos demonstram que esse modelo de testes e medidas desta política de avaliação está substituindo questões centrais de uma política do que seria uma boa educação, e isso não tem repercutido na melhoria da aprendizagem e nem nos dados da educação. Alertando para essa troca de valores na matriz de referência, Freitas afirma que tomar conhecimento das questões mais amplas que orientam essa política de avaliação é um primeiro passo para se indignar. E por fim, conclui sua aula-conferência com duas perguntas no ar: Qual o projeto de nação para os jovens hoje? Desde quando nota alta é sinônimo de boa educação?